Luta no handling por emprego com direitos

Na rota do Portugal <i>low-cost</i>

Esta se­gunda-feira, dia 18, os tra­ba­lha­dores da Portway trou­xeram para o ex­te­rior dos ae­ro­portos de Lisboa, Porto e Faro a sua luta contra a in­tenção de des­pe­di­mento co­lec­tivo de 256 pes­soas, de­cla­rada pela em­presa há cerca de um mês, após uma dis­puta que levou a Rya­nair a querer re­petir, no Con­ti­nente, uma ma­nobra ilegal que en­saiou im­pu­ne­mente nos Açores.

Os tra­ba­lha­dores são sa­cri­fi­cados na pressão para baixar custos

«Co­nhe­cemos muitos pa­raísos tu­rís­ticos de massas, que re­cebem muitos voos e mi­lhões de pas­sa­geiros, mas onde os tra­ba­lha­dores ga­nham 30 ou 40 euros por mês, e não que­remos isto», disse Fer­nando Hen­ri­ques, di­ri­gente do Sin­di­cato dos Tra­ba­lha­dores da Avi­ação e Ae­ro­portos (Si­tava, da Fec­trans/​CGTP-IN), na con­cen­tração re­a­li­zada no ae­ro­porto de Lisboa. Alertou que, se não for der­ro­tado o plano da com­pa­nhia aérea de baixo custo se­diada na Ir­landa, «virão ou­tras rya­nairs», mas esse rumo aca­bará por ter con­sequên­cias graves para o País. «No dia em que todos ga­nharmos 530 euros a re­cibos verdes, acon­te­cerá al­guma coisa e fu­girão também de Por­tugal os tu­ristas que hoje vêm para cá a fugir da ins­ta­bi­li­dade no Ma­greb», previu.
O di­ri­gente sin­dical co­meçou por ob­servar que se chegou a este ponto por duas ra­zões: a pri­va­ti­zação do Grupo ANA, em 2013, «um crime eco­nó­mico contra o País», e «a po­lí­tica pró-low-cost a todo o custo, nos úl­timos dez ou quinze anos».
Fer­nando Hen­ri­ques re­cordou que, da au­dição par­la­mentar re­a­li­zada pelo PCP, em Ja­neiro, re­sultou um pro­jecto de re­so­lução, apro­vado a 31 de Março, re­co­men­dando a anu­lação do Des­pacho 14886-A, que o go­verno PSD/​CDS man­teve, apesar de al­te­ração das po­si­ções da Co­missão Eu­ro­peia que lhe deram origem. Este di­ploma ad­mite um ter­ceiro ope­rador de han­dling e tem ser­vido para jus­ti­ficar os ata­ques aos tra­ba­lha­dores. Agora, o Go­verno tem que cum­prir essa re­so­lução, re­clamou, ape­lando à con­ti­nu­ação da luta, que vem desde 2013, para im­pedir que a as­sis­tência em es­cala pros­siga neste rumo.
A luta contra o des­pe­di­mento é, assim, «um cartão ama­relo» que o sin­di­cato e os tra­ba­lha­dores mos­tram à mul­ti­na­ci­onal Vinci, dona da ANA e da Portway, à Au­to­ri­dade Na­ci­onal da Avi­ação Civil (acu­sada de ser cúm­plice na fraude do self-han­dling da Rya­nair) e ao Go­verno. «Esta ac­ti­vi­dade tem de ter fu­turo e nós temos de ter fu­turo nesta ac­ti­vi­dade», exigiu o di­ri­gente do Si­tava e da Fec­trans.

Paixão
apu­nha­lada

A jor­nada de luta na se­gunda maior em­presa de as­sis­tência em terra a pas­sa­geiros, ba­gagem e carga (a operar nos ae­ro­portos de Lisboa, Porto, Faro e Fun­chal) co­meçou na quinta-feira, dia 14, com greves par­ciais e ao tra­balho su­ple­mentar, no Porto. No dia 18, re­a­lizou-se uma greve de sete horas nos três ae­ro­portos do Con­ti­nente, com con­cen­tra­ções de pro­testo no ex­te­rior de todos eles.
Na Por­tela, junto à es­tação do Me­tro­po­li­tano, na zona das che­gadas, per­ma­ne­ceram du­rante al­gumas horas, ao final da manhã, vá­rias de­zenas de tra­ba­lha­dores, com faixas e car­tazes. A am­pli­fi­cação so­nora trans­mitiu mú­sica e serviu so­bre­tudo para que al­guns dos pro­fis­si­o­nais ex­pli­cassem os mo­tivos do anúncio dos des­pe­di­mentos e afir­massem a de­ter­mi­nação de pros­se­guir a luta até que o pro­cesso seja anu­lado.
Uma luta comum com os tra­ba­lha­dores da outra em­presa do sector, a SPdH (Ser­viço Por­tu­guês de Han­dling, do Grupo TAP), co­meçou aqui a ser de­li­neada para 4 de Maio e dias se­guintes, man­tendo-se até lá as greves par­ciais e ao tra­balho su­ple­mentar, em Lisboa e no Porto.
Nuno Sousa apre­sentou-se como «pai do João e da Ca­ta­rina, tra­ba­lhador da Portway e di­ri­gente do Si­tava», e acusou a em­presa de não re­co­nhecer o valor dos seus tra­ba­lha­dores, pa­gando-lhes com uma pu­nha­lada nas costas a opção que fi­zeram, quando dei­xaram ou­tras em­presas, como a TAP, há quinze anos, para in­te­grarem com em­penho os qua­dros da nova ope­ra­dora.
Nas­cida de uma ali­ança da ANA (Ae­ro­portos e Na­ve­gação Aérea) com a em­presa que geria o ae­ro­porto de Frank­furt, a Portway quis então ter fun­ci­o­ná­rios com ex­pe­ri­ência – pre­ci­sa­mente aqueles que agora quer des­pedir pri­meiro.
O mo­tivo pró­ximo é a de­cisão da Rya­nair de até Julho pres­cindir dos ser­viços da Portway, que re­pre­sentam mais de um terço da ac­ti­vi­dade desta (mais de me­tade, no Porto), ale­gando que vai fazer «self-han­dling», co­ad­ju­vada pela Groun­dlink. Ora, con­testam os tra­ba­lha­dores e o sin­di­cato, esta «auto-as­sis­tência» é uma fraude, como se vê há um ano no ae­ro­porto de Ponta Del­gada, pois acaba por ser a Groun­dlink a fazer, com um custo mais baixo, ope­ra­ções para que não está li­cen­ciada.
Nuno acusou a Portway de pre­tender ser com­pe­ti­tiva «à custa dos nossos sa­lá­rios e do comer dos nossos fi­lhos», porque quer pagar «530 euros e a re­cibo verde» nos novos con­tratos que anuncia.
«Tenho uma paixão sem ta­manho pela avi­ação» co­meçou por dizer Vera, de­le­gada sin­dical, sa­li­en­tando que «é isto que nos move». Mas «não é com con­tratos ao mês e um or­de­nado mí­nimo que al­guém vai ter von­tade de in­vestir uma vida na avi­ação», pro­testou. E avisou que «não vamos, nem nós, nem os pas­sa­geiros, querer uma avi­ação pre­cária, com tra­balho pre­cário».
Em nome do pes­soal da SPdH (Ground­force), Carlos Pinto lem­brou o co­mu­ni­cado que a Co­missão de Tra­ba­lha­dores dis­tri­buiu na an­te­rior con­cen­tração, a 29 de Março, re­al­çando que «todos somos afec­tados» por aquilo que está a su­ceder na Portway e que «esta luta também é nossa». Re­cordou que no final de 2010 foram des­pe­didos 336 tra­ba­lha­dores da SPdH em Faro e deu conta da pre­o­cu­pação agora sus­ci­tada no Porto pela re­es­tru­tu­ração da ope­ração da TAP.
A pro­pó­sito desta evo­lução, citou um es­tudo in­ter­na­ci­onal que mostra como foi a evo­lução da avi­ação co­mer­cial na Eu­ropa, entre 1996 e 2011, des­ta­cando que, en­quanto o nú­mero de voos re­a­li­zados du­plicou, o nú­mero de tra­ba­lha­dores au­mentou apenas 40 por cento. Este au­mento da ex­plo­ração «é a ló­gica destas em­presas e desta eco­nomia», co­mentou.

 

So­li­da­ri­e­dade

A Fe­de­ração dos Sin­di­catos de Trans­portes e Co­mu­ni­ca­ções tem-se fo­cado em alargar a frente de apoio a esta luta, como ex­plicou aos tra­ba­lha­dores da Portway o seu co­or­de­nador, José Ma­nuel Oli­veira, re­la­tando que a Fec­trans di­vulgou o caso na es­tru­tura sin­dical e também a nível in­ter­na­ci­onal. As men­sa­gens de so­li­da­ri­e­dade que estão a chegar «com­provam que vocês não estão so­zi­nhos».
Nuno Sousa, pouco de­pois, re­feriu mesmo que no Si­tava «temos sido bom­bar­de­ados com emails de sin­di­catos» contra o des­pe­di­mento na Portway, mas va­lo­rizou também o apoio do Sin­di­cato da Ho­te­laria e da USL, bem como do PCP, em par­ti­cular no Par­la­mento e num im­por­tante, em­bora não vi­sível, «tra­balho de bas­ti­dores».

 

Em tempo útil

Ar­ménio Carlos, ma­ni­fes­tando so­li­da­ri­e­dade aos tra­ba­lha­dores em luta, su­bli­nhou que «é pre­ciso ac­tuar em tempo útil» pe­rante «um dos mai­ores es­cân­dalos do ataque ao tra­balho com di­reitos», que cons­titui anun­ciar um des­pe­di­mento co­lec­tivo e, ao mesmo tempo, de­clarar a in­tenção de subs­ti­tuir os des­pe­didos por pes­soal com muito menos di­reitos e pi­ores sa­lá­rios. A exi­gência de in­ter­venção ur­gente foi di­ri­gida pelo Se­cre­tário-geral da CGTP-IN à DGERT (Di­recção-Geral do Em­prego e das Re­la­ções de Tra­balho), mas ad­mitiu que o pro­blema – que «só não será re­sol­vido se não houver von­tade po­lí­tica» – po­derá en­trar na agenda de uma reu­nião com o Go­verno, na pró­xima se­mana.

 



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Da Resistência à Liberdade

No pró­ximo sá­bado, 23 de Abril, as­si­nala-se os oi­tenta anos da data da as­si­na­tura do De­creto-Lei 26539, com que Sa­lazar criou a cha­mada «Co­lónia Penal do Tar­rafal», pri­meiro dos di­fe­rentes nomes com que o fas­cismo a bap­tizou.
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